Olá!


Raríssimas são as famílias que conhecem profundamente suas origens. Os Meneghelli que vivem no Brasil podem desfrutar desse privilégio, graças a um manuscrito, resgatado juntamente com uma série de documentos bastante antigos, para elaboração do processo de concessão da cidadania italiana aos descendentes diretos de HERMENEGILDO MENEGHELLI.
O manuscrito foi elaborado por HELENA MICELI ROSSINI na década de 70, para atender ao pedido de seus sobrinhos Antonietta e Felipe, que queriam saber mais sobre a família.

Embora contenha uma narrativa bastante simples, esse manuscrito expõe uma belíssima história, que já completou 171 anos. Acompanhe, você vai ver que vale a pena.

Um grande abraço,

Tânia Meneghelli

Concentração de MENEGHELLI na Itália


O sobrenome Meneghelli está presente em 114 cidades italianas, sendo a maior concentração nas regiões da Lombardia  - de onde veio minha família - e Veneto. Isso leva à suposição de que grande parte das pessoas que possuem esse sobrenome tenha alguma relação de parentesco. Veja:



Introdução


MANUSCRITO DE HELENA MICELI ROSSINI


"Queridos sobrinhos, Antonietta e Felipe,


Um dia vocês me pediram para escrever a história de nossos antepassados. Atendendo a esse pedido, abrirei o cofre das recordações que me foram reveladas, a princípio por minha querida avó, sucessivamente por minha mãe, por familiares e, enfim, por lembranças próprias.

Devo dizer que tudo o que escreverei aqui é verdadeiro e nada acrescentarei. Devo dizer também que muitas das coisas que aqui estão registradas apenas eu fiquei sabendo. Nem mesmo meus irmãos souberam, pelo fato de eu estar mais tempo junto desses entes queridos. Peço a benevolência de todos os que lerem estes escritos para me perdoarem por erros e falhas, pois como verão mais adiante, não cheguei a completar o primário.

A casa dos Miceli (meus pais) situava-se à Rua Marechal Deodoro, esquina com Aquibadan, em São Carlos. A casa dos MENEGHELLI (meus avós) ficava na mesma rua, sendo a terceira casa do lado oposto à nossa. Ambas ainda existem, apenas com algumas modificações.

Quando eu tinha mais ou menos onze anos fui incumbida por minha mãe de levar diariamente o café da manhã para minha avó, tarefa que cumpria com muito prazer.

Entrava e lá estava ela, sentada segurando um terço, cujas contas deslizavam entre seus dedos, acompanhadas de fervorosa oração. Enquanto minha avó fazia sua refeição eu lhe arrumava os dois cômodos: quarto e sala. Ao terminar, sentava-me num pequeno banquinho a seus pés para que ela penteasse meus longos e abundantes cabelos, o que ela fazia cuidadosamente. Esse era um trabalho que ela fazia com amor, para aliviar um pouco das muitas tarefas de minha mãe. Depois de formar uma ou duas grossas tranças e prendê-las com uma fita, me convidava a sentar-me a seu lado, num banco para duas pessoas feito por meu avô, um carpinteiro muito esmerado nesse trabalho. E ali, naquele quarto humilde, que mais parecia um santuário silencioso e aconchegante, ela me contou sobre sua infância, tão cheia de amarguras.

Enquanto meu avô ajudava minha mãe, eu permanecia horas ao lado da nonina e, assim, ela foi relatando diariamente as tristezas e alegrias vividas na sua terra natal. Suas palavras ficaram gravadas na minha memória e nunca foram apagadas. Mas não foram apenas palavras que ficaram gravadas no meu íntimo. Ficaram também seu semblante, seu olhar distante e as lágrimas silenciosas que rolavam por sua face. Com o pensamento voltado para sua longínqua e querida Itália, ela me dizia: "Lenina, que saudade sinto de meu pai... Ele era um homem tão bom, um santo... Nunca mais tive notícias dele e de meus quatro irmãos". Pobrezinha! Ela falava comigo, confiava-me seus sentimentos e, apesar de minha pouca idade, recebia com amor suas confidências e as guardava no mais íntimo do meu coração.

Hoje, sou eu quem sente tanta saudade de ti, querida nonina!... PREGA! PREGA PER NOI!"

Parte 1

ITÁLIA - MEUS BISAVÓS, LUIZ E MARIA VALLI

Tudo começou em Mantova

Numa pequena região chamada Porescia, em 13/06/1840 nasceu uma menina que, em homenagem a Santo Antonio, recebeu o nome de Antonina. Era a filha primogênita de um jovem casal. Seu pai, Luiz Valli, era marceneiro e sacristão; a mãe, Maria, era filha adotiva de um casal milionário, que residia numa região conhecida como Vila Garibaldi. Os pais costumavam mandar auxílio financeiro à Maria. Com a morte da mãe adotiva, seu pai enviou-lhe uma mensagem, pedindo que ela e o marido vendessem tudo o que possuíam e se mudassem para perto dele. Luiz e Maria aceitaram o convite com alegria e junto de seus cinco filhos empreenderam longa viagem de gôndola pelo Rio Pó. Finalmente chegaram ao destino, porém a angústia os invadiu: o pai também falecera e seus parentes não quiseram reconhecê-los.

O pobre casal desconhecido vagava pelas ruas com seus cinco filhos à procura de um abrigo, sempre sem sucesso. Cansados e abatidos, finalmente encontraram um cômodo úmido e frio, nos fundos de um prédio pertencente a uma rica senhora. Agradecidos a Deus, ali se alojaram e, com suas poucas economias, pagavam o aluguel. Para que as crianças pudessem tomar sol no pátio havia uma condição: sempre que fizessem a polenta deveriam entregar o fubá grosso que sobrava na peneira à senhoria. Isso servia para que ela alimentasse os pintinhos que criava.

Luiz começou, então, sua via sacra. Saía, dia após dia à procura de trabalho, sem nada conseguir. A vila era pequena e comportava apenas um profissional para cada ofício. As economias estavam acabando e Maria, sua esposa, tirava da canastra peças de seu enxoval, todo feito aos poucos e à mão, para vender.

Luiz era bom e honestíssimo. Porém, um dia, ao ver a esposa gravemente enferma e os filhos famintos, tomou uma difícil decisão. Apanhou um cesto e, aproveitando-se do grande movimento no armazém, pegou algumas mercadorias. Na saída, o comerciante o chamou e Luiz, envergonhado, humilhado, caiu em doloroso pranto, relatando-lhe sua situação. O negociante, compadecido, deu-lhe muito mais do que pedira.

Parte 2

MINHA QUERIDA AVÓ ANTONINA


Antonina, aos oito anos foi trabalhar como empregada na casa de uma tia viúva, Dona Mariana, riquíssima. Antes mesmo que o mês terminasse, seu pai recebia seu pequeno salário para as despesas da casa.

A tia não a tratava mal, porém, um dia, chamou-a até a sacada e disse: "Antonina... Estás vendo o enterro que está passando? É de tua mãe..." E assim, com o olhar distante e lágrimas a rolarem pela face, minha querida avó contou-me essa dolorosa passagem de sua vida.

Raquel, dezesseis anos, era filha única de Dona Mariana. Muito bondosa, afeiçoou-se à priminha e fez dela sua confidente, revelando-lhe segredos de seu coração adolescente (seu primeiro amor). Raquel amava e era sinceramente correspondida por um jovem auxiliar de ourives, cuja oficina ficava em frente à sacada de sua casa. A rua era estreita, ladeada por antigos sobrados e, assim, os jovens se correspondiam por mímicas. Dona Mariana foi informada desse namoro e repreendeu rigorosamente a filha, pois já planejava seu casamento com um "ricaço".

Para realizar negócios e fazer compras, Dona Mariana costumava ir à Mantova. Numa certa ocasião, antes de viajar, disse à filha que lhe traria ricos vestidos e jóias. Porém, se durante sua ausência se correspondesse com o tal rapaz receberia um grande castigo. Assim, antes de partir, pediu a Antonina que vigiasse sua filha. Ao regressar foi informada por pessoas pagas por ela sobre o encontro dos dois jovens. Abriu as malas e mostrou os lindos presentes que trouxera, mas a filha receberia apenas o castigo prometido.

Raquel possuía lindos cabelos castanhos, que realçavam ainda mais sua beleza. Sua mãe levou-a para um cômodo nos fundos da casa e com uma tesoura cortou-lhe a formosa cabeleira. As lágrimas e súplicas da filha não a comoveram. Antonina, que a tudo assistia, ficou estarrecida e tão angustiada que não quis mais permanecer na casa e voltou para a companhia do pai.

Passados diversos anos, vamos encontrar Antonina numa humilde casa. Ela transformou-se numa delicada jovenzinha, morena, de longos cabelos negros, lisos, presos por duas tranças em forma de coroa ao redor da cabeça. Dessa mesma forma ela continuou a se pentear até os últimos anos de sua vida.




ANTONIO MENEGHELLI E ANTONINA VALLI
Casamento e filhos

Luiz, o pai de Antonina, trabalhava em uma carpintaria, cujo proprietário se chamava José Meneghelli (sua esposa era Luiza di Pauli; seus filhos, Batista, Leandro, Ângelo, Antonio e Maria Bruna, uma família muito estimada). Antonio era um jovem alto, vigoroso, de bela aparência e muito disputado pelas jovens, entre elas a filha de um rico industrial, que chegou a propor-lhe que, caso desposasse a filha, nem precisaria mais trabalhar, pois lhe daria um importante cargo em sua firma. Mas Antonio amava Antonina, aquela jovenzinha humilde, delicada e escondida como uma violeta. Assim, ela foi escolhida e ficaram noivos. Deus a premiava, dessa forma, após uma infância tão sofrida.

Algum tempo se passou e o casal se aproveitou de uma boa oportunidade para se unir definitivamente. A Rainha Margarida, esposa do Rei Humberto di Sabóia, deu a luz a seu primogênito, o Príncipe Victório Emanuele III. Para comemorar o acontecimento, a família real concedeu a graça de liberar do serviço militar todos os jovens que completassem 21 anos e se casassem no ano da comemoração. Antonio foi um dos agraciados, pois completaria 21 anos em 20 de julho daquele mesmo ano. Por esse motivo, o casamento com Antonina foi antecipado.

Antonio era bom, honesto e muito trabalhador. O casal era muito feliz e, para completar essa felicidade, nasceu seu primeiro filho, inundando o lar de alegria. Infelizmente essa felicidade durou pouco, pois o filho adoeceu e os médicos não conseguiram curá-lo. Assim, Guido faleceu ao completar um ano de idade, deixando seus pais inconsoláveis, principalmente Antonio.

O vigário da vila, que tinha muita amizade com seus paroquianos, convidou Antonio a acompanhá-lo até o cemitério. Lá chegando, dirigiram-se a diversas sepulturas e o vigário disse: "Vê, Antonio? Aqui tem um homem que era chefe de família e deixou sua esposa e filhos... Ali, uma mãe que também deixou filhos e esposo... Aceite a vontade de Deus. Guido é mais um anjinho a interceder por nós". Com essas e outras palavras de conforto o vigário conseguiu levar conformidade ao coração de Antonio.

O segundo filho nasceu e se chamava Teodósio (quem escolhia os nomes era o vigário). O menino cresceu rodeado de amor e carinho. Seus pais, com medo de perdê-lo também o mimaram demais. Em consequência disso, o menino tornou-se voluntarioso e cheio de caprichos. Teodósio estava com cinco anos quando nasceu, em 18/09/1870, uma menina que recebeu o nome de Ema Maria Elvira, a qual, posteriormente, assinaria apenas Elvira. O casal teve ainda os seguintes filhos: Polycarpo e HERMENEGILDO (nascido em 13/10/1875), além das meninas Cuintília e Cinira, que faleceram aos poucos meses de idade.

Parte 3


CERTIDÃO DE NASCIMENTO DE HERMENEGILDO MENEGHELLI




Esta é uma 2ª via da certidão, emitida pelo Consulado Italiano de São Paulo. 
O nome de Hermenegildo aparece sem o "H".

Parte 4


HÁBITOS

Era costume na região que todas as meninas, além de seus nomes próprios, recebessem também o nome de Maria, em homenagem à Virgem Maria. Era também uma obrigação imposta pelo governo, que todas as casas mantivessem nos fundos de seus quintais um pequeno chiqueiro para a criação de leitõezinhos, que deveriam ser consumidos apenas no inverno, já que no verão era proibido comer carne de porco, sob pena de multa.


No quintal da família havia também um pequeno jardim, uma horta e um pomar, tudo muito bem cuidado. Antonio também instalou ali uma pequena oficina de carpintaria, onde trabalhava das quatro horas da madrugada até altas horas da noite. Ele possuía habilidade para trabalhar com ambas as mãos ao mesmo tempo. Também era outra característica marcante sua preparar o próprio café, sem açúcar, toda noite.


Antonio era carpinteiro da prefeitura local e além de suas atividades normais também fabricava caixões para os mortos. Além disso, era também encarregado de abrir enormes tonéis de vinho, um trabalho que muito lhe agradava. Era um hábito bastante comum tomar vinho até mesmo no café da manhã, prática adotada inclusive por mulheres e crianças, que não ficavam embriagados. O vinho, assim como o sal, era fornecido às famílias gratuitamente pelo governo.

Outra doação feita pela prefeitura, na época, era uma certa quantidade de bichos da seda, que deviam ser cuidadosamente tratados com limpeza diária e alimentação à base de folhas de amoreira, para que procriassem. Esse trabalho era executado pelas mulheres e crianças. Após determinado período de tempo, a criação era entregue à prefeitura que dividia os lucros com as famílias.
Na véspera da Páscoa, durante o sono das crianças, Antonina coloria ovos cozidos com anilina, colocando-os em pequenos cestinhos escondidos entre folhagens. Na manhã seguinte, as crianças procuravam por eles entre risos e muita alegria. Era uma festa!

Nessa época também não havia a figura do Papai Noel. Quem trazia os brinquedos para as crianças era Santa Luzia, em 13 de dezembro. o último presente que Elvira ganhou não lhe agradou muito: um carretel de linha, agulha, tesoura e fita métrica.