29/05/2011

Introdução


MANUSCRITO DE HELENA MICELI ROSSINI


"Queridos sobrinhos, Antonietta e Felipe,


Um dia vocês me pediram para escrever a história de nossos antepassados. Atendendo a esse pedido, abrirei o cofre das recordações que me foram reveladas, a princípio por minha querida avó, sucessivamente por minha mãe, por familiares e, enfim, por lembranças próprias.

Devo dizer que tudo o que escreverei aqui é verdadeiro e nada acrescentarei. Devo dizer também que muitas das coisas que aqui estão registradas apenas eu fiquei sabendo. Nem mesmo meus irmãos souberam, pelo fato de eu estar mais tempo junto desses entes queridos. Peço a benevolência de todos os que lerem estes escritos para me perdoarem por erros e falhas, pois como verão mais adiante, não cheguei a completar o primário.

A casa dos Miceli (meus pais) situava-se à Rua Marechal Deodoro, esquina com Aquibadan, em São Carlos. A casa dos MENEGHELLI (meus avós) ficava na mesma rua, sendo a terceira casa do lado oposto à nossa. Ambas ainda existem, apenas com algumas modificações.

Quando eu tinha mais ou menos onze anos fui incumbida por minha mãe de levar diariamente o café da manhã para minha avó, tarefa que cumpria com muito prazer.

Entrava e lá estava ela, sentada segurando um terço, cujas contas deslizavam entre seus dedos, acompanhadas de fervorosa oração. Enquanto minha avó fazia sua refeição eu lhe arrumava os dois cômodos: quarto e sala. Ao terminar, sentava-me num pequeno banquinho a seus pés para que ela penteasse meus longos e abundantes cabelos, o que ela fazia cuidadosamente. Esse era um trabalho que ela fazia com amor, para aliviar um pouco das muitas tarefas de minha mãe. Depois de formar uma ou duas grossas tranças e prendê-las com uma fita, me convidava a sentar-me a seu lado, num banco para duas pessoas feito por meu avô, um carpinteiro muito esmerado nesse trabalho. E ali, naquele quarto humilde, que mais parecia um santuário silencioso e aconchegante, ela me contou sobre sua infância, tão cheia de amarguras.

Enquanto meu avô ajudava minha mãe, eu permanecia horas ao lado da nonina e, assim, ela foi relatando diariamente as tristezas e alegrias vividas na sua terra natal. Suas palavras ficaram gravadas na minha memória e nunca foram apagadas. Mas não foram apenas palavras que ficaram gravadas no meu íntimo. Ficaram também seu semblante, seu olhar distante e as lágrimas silenciosas que rolavam por sua face. Com o pensamento voltado para sua longínqua e querida Itália, ela me dizia: "Lenina, que saudade sinto de meu pai... Ele era um homem tão bom, um santo... Nunca mais tive notícias dele e de meus quatro irmãos". Pobrezinha! Ela falava comigo, confiava-me seus sentimentos e, apesar de minha pouca idade, recebia com amor suas confidências e as guardava no mais íntimo do meu coração.

Hoje, sou eu quem sente tanta saudade de ti, querida nonina!... PREGA! PREGA PER NOI!"