TEODÓSIO, POLYCARPO, HERMENEGILDO E ELVIRA
Certo dia, na casa de Elvira, ouviu-se um estrondo no andar de cima. Elvira logo exclamou: "Meu cofre!...". Com o coraçãozinho batendo fortemente subiu correndo as escadas e viu seu cofrinho de barro caído no chão, quebrado, moedinhas espalhadas. Teodósio fizera isso! Houve muito choro e lamentação, mas após repreender rigorosamente Teodósio, os pais improvisaram um novo cofre para Elvira.
Em outra ocasião, Teodósio chegou em casa radiante, trazendo uma tarrafa de pescador. O pai indagou onde havia encontrado aquilo e ele respondeu: "No rio!" O pai, então, lhe disse: "Venha comigo. Você vai colocar isso no lugar onde encontrou, porque alguém deve ter deixado lá e virá buscar depois". Durante o trajeto, o repreendeu severamente, o que lhe serviria de lição dali por diante.
Teodósio não quis aprender o ofício do pai. Queria viajar, conhecer o mundo. Para tanto, contra a vontade de seus pais, começou a mascatear nas fazendas e regiões vizinhas. Para atingir seu objetivo, realizava qualquer trabalho. Assim, foi garçom, ajudante de navio, ajudante de enfermagem etc. Este último emprego lhe foi bastante útil em seus últimos anos de vida, como veremos mais adiante. Os pais tentavam demovê-lo dessa idéia, sempre em vão. Antonio chegou a ir ao consulado pedir para que lhe negassem o passaporte, porém, isso não foi possível, já que não havia motivo justo para tanto.
Teodósio era muito inconstante, um boêmio. Da mesma forma que desaparecia sem que ninguém soubesse de seu paradeiro, inesperadamente retornava. Numa certa véspera de Natal, todos estavam reunidos à mesa para a distribuição das guloseimas preparadas por Antonina, que chamava cada filho pelo nome para receber o presente. De repente, alguém grita: "Esta parte é do Teodósio!". Saltando pela janela, Teodósio, então, juntou-se à família. Foi grande a alegria por seu regresso e, entre beijos e abraços, Teodósio contava suas façanhas pelo mundo.
Teodósio possuía bela aparência, boas maneiras e facilmente conquistava amizades. Assim, aprontava muitas peripécias. Certa vez o pai precisou ir ao consulado para retirar uma carta proveniente da França, enviada por uma senhora proprietária de uma rica pensão onde Teodósio se hospedara, apresentado por um distinto amigo. Lá ficou por aproximadamente um mês, onde foi tratado como um filho, permanecendo entre os pensionistas de primeira classe. Ao se despedir, deixou o endereço de seus pais, dizendo que os mesmos eram riquíssimos e possuíam muitas propriedades. Por isso, com muita delicadeza, a senhora apresentava na carta a fabulosa conta que o pai deveria pagar, conforme a recomendação de Teodósio. Antonio, então, enviou-lhe outra correspondência, dizendo que infelizmente ela deveria ter se informado antes sobre a condição financeira de seu hóspede.
Em determinada ocasião, a família foi à capital para assistir às solenidades festivas em comemoração ao centenário de Santo Anselmo, padroeiro de Mantova, cujo corpo estava depositado em uma urna de vidro, exposta para veneração dos fiéis. Outra solenidade também comemorada com muitos festejos ocorria em 8 de setembro, data dedicada à padroeira da vila, Natividade de Nossa senhora. O ponto alto dessas festas era a banda de música, muito admirada por Polycarpo, que era um menino bastante estudioso, primeiro da classe na escola e, em casa, grande colaborador do pai no trabalho.
Sentindo que tinha vocação para a música, ainda criança ingressou na banda para tocar clarineta. Polycarpo trajava um garboso uniforme e, por sua pouca idade, graça e beleza, era o mascote da banda.
Em todas as vilas das imediações também se comemorava as festas de seus padroeiros. Um hábito, na ocasião, era a hospedagem dos músicos pelas famílias locais, que disputavam a alegria de hospedar o gracioso mascote Polycarpo, alvo da atenção de todos.
HERMENEGILDO, o caçulinha, muito doentinho quando criança, começou a andar apenas aos cinco anos de idade. Quando ingressou na escola, lhe perguntaram: "Gildo, você já aprendeu onde é a porta de entrada da escola?". E ele respondeu, sem demora: "Sim, já aprendi onde é a porta da entrada e também a da saída!". Era uma criança ativa e até o fim de sua vida Hermenegildo sempre foi muito espirituoso.
Elvira aprendia na escola, além das matérias habituais, trabalhos manuais como tricô e costura, inclusive de camisas masculinas, pois na época não havia máquina de costura. Em certa ocasião, a professora de Elvira comprou na capital uma máquina de costura que foi objeto de curiosidade geral e admiração por parte de todos.
Elvira também era catequista na igreja, onde ocupava um lugar reservado ao lado do altar durante a missa. Um dia, estando no seu posto, sua atenção voltou-se para uma senhora que orava fervorosamente, ajoelhada. De sua cabeça pendia um véu negro e rendado. Elvira se perguntava quem poderia ser aquela senhora que tanto lhe chamou a atenção. De repente, a senhora voltou-se para ela, e qual não foi sua surpresa ao reconhecê-la: era sua própria mãe! Acostumada a vê-la na lida doméstica, nunca havia notado o quanto era bonita.
Um costume entre os jovens, na época, era pescar no rio à tardinha, com seus chapéus de palha e todos apetrechos necessários. Lá passavam horas, reunidos alegremente. Elvira tinha três amigas íntimas que sempre a acompanhavam, Éden, Zoraide e Adalgisa, das quais sempre se recordava com muita saudade.
No inverno, outro ponto de encontro dos jovens era o estábulo, cuidadosamente limpo e desinfetado três vezes ao dia, com animais rigorosamente tratados. Lampiões e lanternas a querosene iluminavam o recinto, onde grupos de rapazes cantavam, acompanhados de violões e sanfonas. As jovens, acompanhadas por suas mães, chegavam trazendo cestinhos com seus trabalhos manuais: bordados, costuras e, principalmente, tricô. Ao som da música, pares rodopiavam e as crianças saltitavam alegremente. Naturalmente o cupido também andava por ali atirando suas flechas! Assim como outras jovens, Elvira também tinha seu pretendente, aquele que conquistou seu coração, seu primeiro amor. Ambos se amavam muito e sonhavam com um belo futuro. Mal sabiam que esse sonho era passageiro e, em breve, seria desfeito para sempre.